sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

No final, o que nos resta é alguém pra conversar

"Mais uma vez ele saiu, e o mundo viu que estava só. E na pior ele sorriu, pra dor mentiu era melhor/
Mesmo assim por um triz, ele diz que é feliz”. (O Anti-Herói)

O fanatismo é uma desgraça. Existem fãs egoístas ao extremo, há ainda aqueles que só enxergam a sua relação com o ídolo, como se não existe outra pessoa que ame mais o trabalho de um grupo, além dele mesmo. Mas estes pequenos exemplos do comportamento dos fãs não se comparam ao que é manifestado quando uma banda chega ao fim, ou encerra as atividades por tempo indeterminado, como o que o SeuZé vive hoje. Quando isso acontece, o artista não tem querer, é apenas um animal dentro de uma jaula com o único objetivo de entreter. Como os fanáticos cometem erros.

Eles querem tudo para eles, e esquecem que aquelas figuras geniais que animaram muitas noites, tardes, manhãs, shows, resenhas, beijos, e até mesmo choro, também são pessoas que vivem além do seu bel-prazer.  Todo esse comportamento é gerado pela gama de experiências particulares que cada um viveu. 

Mas existem aquelas bandas que não têm fãs “loucos”, a sua legião é de reais admiradores, felizes estarem naquele momento, com aquelas pessoas, pois eles não vivem algo sozinhos, o artista faz questão de fornecer uma experiência compartilhada, com aquele cara que sem querer derrubou cerveja no seu tênis, mas pediu desculpas e logo após sorriu como quem reforça o pedido. Ou aquela garota que ao som de um simples dedilhado da guitarra dança, mesmo que nenhum canhão de luz a ilumine ela não está ali para se mostrar para todos, ela quer se alimentar com a música, e alentar a quem assiste os movimentos curvilíneos de seu corpo.

SeuZé é a mais simples e eficiente representação de uma geração de potiguares. Entre os milhares que existiram, eles sintetizaram a carga cultural de um grupo de pessoas, e com as suas letras cheia de gírias, filosofias, amor, sinceridade e mais que isso, sotaque.

Toda a carga desse povo cheio de detalhes do extremo nordeste do país é claramente apresentada nas entonações de cada sílaba cantada por Lipe Tavares. Sentir-se como uma resenha na sala de estar era o trabalho de todo o grupo com as suas brincadeiras externas, no palco, para todo o público, entendendo ou não.


Antes mesmo de andar pela Ribeira se tornar algo “cool”, e quando caminhar entre os galpões nas ruas fedidas a peixe, ou cheirando a graxa das oficinas, viver a Ribeira era um alimento para quem buscava uma "colher" de Natal em sua vida, ou apenas em seu dia. Eu poderia citar muitas experiências com amigos, noites que se um dia eu esquecer, só será possível por interferência do Alzheimer. Sair de um show bebo pela Skol e o momento, ou apenas bestificado com o poder de não importar quantas vezes você assistiu SeuZé, eles mantém a qualidade em todas as apresentações que você esteve.


Por falar nos shows, eles eram uma experiência a parte, cada um deles, tanto os mais “calminhos” como o “SeuZé íntimo”, por exemplo, no palco da Casa da Ribeira. Ou aqueles para os vestibulandos, durante as aulas de história. Os espetáculos em pubs da cidade são incontáveis, e memoráveis para quem esteve neles. Todavia, existe um local que é mais perfeito sinônimo para “show de SeuZé”, pelo simples fato do ser. Para quem andou pelos corredores do setor II da UFRN não tem como visualizar pelo menos 85% das letras de canções cantadas pela banda, em cada figura daquele ambiente de diversidades. As calouradas do Setor II, quando existiam, no corredor mesmo, era a simples tradução do “porquê as coisas tem de ser assim”. Afinal, quem nunca ouviu, viu, ou conhece um “O tal” naquele lugar.

Ainda bem que SeuZé não tem fãs, tem componentes, apreciadores e galados, pois estes, ao invés dos fãs, gostam de compartilhar, estes são fragmentos do que torna a banda um ser completo. Eu mesmo fui apresentado ao trabalho de Seuzé por um amigo. Até hoje, em nossas resenhas ele toca no violão músicas da banda. Por diversas vezes argumentei para que colegas tivessem o contato com o som da banda, e foram muitos: amigos, conhecidos, colegas de turma, namorada, aquela boezinha que perguntou qual som eu curto.

“É divino, mas não somos Deus”

Mas essa história chegou ao fim, depois de 11 anos. Acredite, não é pouco. Se falamos que trabalhar com música (ou qualquer outra coisa ligada à construção cultural) no estado é difícil, imagine este cenário há dez anos. Com certeza foi ralado, e toda história deve ter um ponto final. Vale lembrar que se um dia a banda voltar, o que todos esperam, será outro começo outra história, algo como um volume dois.

Para quem fica sem os shows, apenas com as músicas em CDs, ou arquivos de MP3s fica a lembrança de como era poder cantar aquela música nos shows, com os amigos caindo de bêbado, ou com aquele sorriso simples e natural, derramar a cerveja no tênis do cara do lado, e pedir desculpas para ele, sorrir e começar a bater a cabeça em um rife um pouco mais pesado, com garrafas ao alto. Ou então, ver aquela garota numa roupa maneira, dançando sozinha e sedutora, enquanto você, o máximo que consegue extrair de seu corpo buchudo é uma dancinha estranha, com movimentos de anatomia desconhecida. Apesar disso, você está tão feliz e tão puro quanto ela, e também passa a mesma coisa para quem bate o olho na cena.

Todavia os caminhos seguem, continuam, e passam por novas paisagens, as quais aos galados cabem aproveitar. Como foi dito em nota, os componentes entram em novas fases, novos projetos, e tendo conhecimento do trabalho que eles realizaram juntos no SeuZé, é de se esperar um algo mais no cardápio.

Fiquei paralisado com a notícia que veio pelo WhatsApp, estava em Pirangi, e sabe daquelas coisas que você realmente não imagina. Muitas bandas que admiro acabaram, deram um tempo, sumiram, muitas mesmo. Entretanto, o que aconteceu essa semana, ainda é complicado de ser digerido. Sinceramente, não vejo a hora, de ouvir novamente, ao vivo “Só Pra Conversar”, a minha favorita, mas hoje, vou insistir mais algumas vezes “O Anti-Herói”, fingir para a dor, pois é melhor.



2 comentários:

Anônimo disse...

Muito Bacana esse site do Tem Som Conteúdo de Primeira !!

Aloízio Monteiro disse...

Tanto o texto da matéria como o roteiro, a direção e a edição do vídeo estão excelentes, do ponto de vista de quem acompanhou, mesmo de longe, esses anos dourados. Lipe, Fell, Augusto, Xandi, Telo e Brunna, sabem vocês o que foi que eu senti? O cheiro do oiti, o doce do açaí, o gosto da cerveja, que nada além representam senão a agradável e saudável nostalgia de um tempo que vai voltar, pois, se existe uma fêmea da qual nunca nos separamos, ela tem um só nome: a Arte. Lendo o texto, e vendo e ouvindo o vídeo, não há como impedir que a lágrima role. Felicitações de um pai e tio do coração.